Desmundo ana miranda resumo

 


 

Desmundo ana miranda resumo

 

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Desmundo ana miranda resumo

 

Desmundo - Ana Miranda

I – Epígrafes

“Ir para Longe, ir para Fora, para a Distância Abstrata, Indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas, Levado, como a poeira, pelos ventos, pelos vendavais!” (Fernando Pessoa)

 

"Já que escrevi a Vossa Alteza a falta que nesta terra ha de mulheres, com quem os homens casem e vivam em serviço de Nosso Senhor, aparados dos peccados, em que agora vivem, mande Vossa Alteza muitas orphãs e si não houver muitas, venham de mistura dellas e quaesquer, porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaesquer farão cá muito bem à terra, e ellas se ganharão, e os homens de cá apartar-se-ão do peccado."

(Trecho da carta do padre Manoel da Nóbrega ao rei de Portugal, datada de 1552)

 

II – Personagens

Oribela – Fruto do adultério da mãe, a quem perde durante o parto, Oribela vive a infância torturada pelo ódio e despeito do pai, que vem a falecer de desgosto, poucos anos depois de perder o que tinha com jogo, mulheres e bebida. Cresce numa casa de órfãs e, ao atingir maioridade, ela e mais cinco “irmãs” são enviadas ao Brasil.

Isobela, Tareja, Pollonia, Urraca e Bernardinha – Órfãs  enviadas de Portugal ao Brasil. Conforme as crendices da época, mulheres numa embarcação eram sinônimo de mau agouro e só poderiam trazer desgraça, ainda mais no número sete. Por esta razão, Isobela, para proteger suas companheiras e atenuar a tripulação masculina, joga-se ao mar. Antes, deixa seu par de sapatos a Oribela, que não o tinha; Pollonia, asmática; Tareja, jovem e inexperiente, e Bernardinha, sem vaidades e irmã mais velha de Tareja. Ambas descendem de família nobre e abastada, porém, perdem seus pais em um acidente. Bernardinha ao tentar fugir com Oribela, trajada de homem, é descoberta e impedida pelo esposo, a quem acaba assassinando com mais de cem punhaladas enquanto dormia. É presa e detida numa gaiola em praça pública, açoitada, apedrejada, exposta aos desatinos do tempo, até ser levada à total demência.

Velha – Confidente de Oribela, era uma espécie de guardiã e aia das órfãs, pelas quais se responsabilizara durante a viagem e a curta estada das moças no abrigo, até a chegado do casamento. Passiva, raramente se pronunciava, a não ser com o intuito de aconselhar e alertar suas protegidas quanto às suas obrigações de boa esposa. Ex-freira, fora expulsa do convento por ter engravidado do rei de Anunciada, em uma das suas visitas ao mosteiro.

Parva – Demente, degredada ao Brasil. Exposta a todo tipo de humilhações durante a travessia do oceano, era mantida amarrada no convés pelos tornozelos, tendo como única defesa as palavras desmedidas e as blasfêmias que lhe saíam da boca. Chegando ao Brasil, tornou-se uma andarilha.

Padre Gago – Vivera no povoado, mas fugira em decorrência de ter vendido um noviço em leilão, o que acabou despertando comentários duvidosos. Contudo, dizia-se que era generoso e de bom coração, fazendo muita falta às senhoras e moças que não tinham com quem se confessar e andavam descontentes com a desordem.

Dona Brites de Albuquerque – Mulher do governador. Vivendo de ostentações e aparências, julga ser o dinheiro e a riqueza capazes de comprar a tudo e a todos, sendo a partir de tais princípios que acaba persuadindo Oribela a casar-se com seu sobrinho.

Francisco de Albuquerque – Sobrinho de Brites de Albuquerque. Nascido em uma aldeia, vivera com os pais num estábulo. Fora um pobre mercador que, com o objetivo de enriquecer, arrendara uma colônia. Agora tinha terras, mesmo à custa de fome e sofrimento. Enamorara-se instantaneamente por Oribela, que cuspira-lhe o rosto na primeira tentativa de aproximação, manifestando todo o seu desprezo. Embora rejeitado, pagaria por ela quantas vacas custasse. Criador de vacas, semblante grave e severo, seu aspecto era degradante: faltavam-lhe dentes, tinha pernas finas, nariz quebrado, olhos tristes, pele rechaçada, cabelos imundos, mas de um coração e generosidade inigualáveis. Justo com os empregados e naturais, preocupava-se e zelava por todos. Durante o pouco tempo de casamento, dedicou-se inteiramente à esposa, porém, envolvia-se sexualmente com as naturais, por despeito à rejeição de Oribela.

Perra de Albuquerque – Mãe de Francisco de Albuquerque. Viúva, transformou-se numa pessoa amarga, fria, extremamente introspecta e, por vezes, ardilosa e maquiavélica. Depositava todo o sentido de sua vida no filho, de quem recebia os mais variados mimos e agrados. Porém, vê-se desbancada de seu trono com a chegada da nora, tentando, por esta razão, assassinar Oribela e o filho que esta trazia no ventre, dando-lhe leite azedo todas as noites. Acaba sendo morta a punhaladas por Francisco após uma discussão entre ambos, por afirmar que Oribela está a espera de um filho bastardo.

Viliganda - irmã caçula de Francisco, é uma garota problemática, não fala, não sorri e vive sorrateiramente pelos cantos da casa. Sua única serventia na casa consiste em tirar as botas do irmão quando este retorna do trabalho no campo. Seu desequilíbrio aumenta após presenciar o assassinato da mãe, sendo levada ao celeiro e mantida amarrada, por ordens do irmão.

Temericô – Habitante nativa do país, torna-se aia e confidente de Oribela em suas fantasias, enquanto esta mantém-se esposa de Francisco. Fiel e muito afeiçoada à patroa, Temericô em sua inocência, ensina a Oribela a língua de seu povo, através de rezas e canções, sendo, por tal ousadia, severamente punida.

Ximeno Dias – navegador, homem simples, rústico, é independente e leva uma vida solitária, pois não tem família ou parentes. Acolhe Oribela após sua última e frustrada tentativa de fuga, jurando protege-la da ira do marido. Aos olhos d moça, Ximeno é uma fonte inesgotável de conhecimento, pois é sabedor dos mistérios do mundo e guarda respostas para todas as suas indagações, fazendo-a perceber sua completa igonrância. Ainda que reduzida e fascinada, a figura do mouro causa-lhe certo temor, pois Ximeno é muçulmano. Torna-se o pai do filho de Oribela.

 

III – Temas

  • Choque cultural, as superstições, a sexualidade, as regras sociais

e os duros castigos para os transgressores da moral do século 16.

 

IV - A Obra e sua linguagem

  • Em Desmundo, não há diálogos e toda a ação é descrita sob o ponto de vista da protagonista, num fluxo de consciência pontuado por flashes de história.
  • O romance lê a história da colonização a partir de um outro prisma, acompanhando, inclusive, o pensamento da personagem pontilhado de crenças, medos e questionamentos diante do mundo/desmundo que a ela se apresenta.
  • A literatura passa a traduzir uma história que não se quer imóvel.
  • Através de Oribela, o leitor ingressa em formas de ação e de pensamento da época, deparando-se com aspectos tais como existência feminina, religiosidade, nova terra, amor e sexualidade.
  • Retrata a história das mulheres na sociedade colonial que procurava domesticar a mulher no seio da família, privando-a de qualquer poder ou saber ameaçador e regulando seus corpos e suas almas.
  • Esta normatização se dava através de dois mecanismos poderosos: o discurso normativo da Igreja e o discurso médico.
  • Em Desmundo, os ecos do discurso religioso se fazem ouvir, por diversas vezes, na voz da própria personagem narradora, que permite as vozes de seu pai, da Velha, de Francisco de Albuquerque, de membros da Igreja, a revelarem qual deveria ser o papel feminino.

 

  • Observemos:
                “Ora ouvi, filhas minhas. Aquela que chamar de vadio seu homem deve jurar que o disse em um acesso de cólera, nunca mais deixar os cabelos soltos, mas atados, seja em turbante, seja trançado, não morder o beiço, que é sinal de cólera, nem fungar com força, que é desconfiança, nem afilar o nariz, que é desdém e nem encher as bochechas de vento como a si dando realeza, nem alevantar os ombros em indiferença e nem olhar para o céu que é recordação, nem punho cerrado, que é ameaça. Tampouco a mão torcer, que é despeito. Nem pá pá pá pá nem lari lará. Nem lengalengas nem conversas com vizinho, seja ele quem for, ou cigano, nem jogos nem danças de rua, nem olhar cão preto que pode ser chifrudo, deus te chame lá que ninguém te chama cá, temperar legume com sal, não apagar luz que alumia morto nem deitar as águas fora que é de judaísmo, não pedir favores nem pôr os olhos no vizinho nem o corpo na cama de outro, tem o esposo direito de acusar, para provar inocência a esposa deve lavrar a mão num ferro de arado em brasa. Açoite e língua furada àquela que arrenegar. Os esposos devem dar panos às mulheres, mas só nas festas reais, se lhes oferecer o mercador um bom preço, que eles não façam obra alguma desde o posto do sol até o sol saído e dia de domingo e a viver segundo o capricho dos homens. Aqui do rei. (...) E disse eu, Ora, hei, hei, não é melhor morrer a ferro que viver com tantas cautelas? Ai, como sou, olhasse a minha imperfeição, olhasse meu lugar, sem eira nem beira nem folha de figueira”
  • O fragmento textual pertencente à terceira parte do romance, intitulada “Casamento”, desdobra-se em duas vozes diferentes: a da Velha que orienta as jovens próximas do casamento e a de Oribela a questionar sobre tantas imposições.
  • Oribela parece, em determinado momento, encurtar as orientações da Velha, quando, após tantas regras, surge a frase: “Nem pá pá pá nem lari lará”.
  • As interdições impostas pela Velha resumem as idéias extraídas de textos referentes à história das mentalidades.
  • É significativo observar: a reiteração da conjunção coordenativa aditiva “nem” e do advérbio de negação “não”, para revelar a quantidade de interdições a que uma mulher casada seria submetida.
  • Outro aspecto bastante significativo, quanto ao fragmento textual, é a referência à normatização do corpo representada, no texto, pelo fato de as interdições estarem ligadas a partes do corpo, em seqüência: cabelos, beiço, nariz, bochechas, ombros, olhos, punhos, mãos, língua e, por fim, novamente, o corpo todo.

 

  • Em resumo: nada pertenceria totalmente à mulher: nem sua alma, nem seu corpo.
  • O emprego da maior parte dos verbos no infinitivo revela, ainda, a idéia de atemporalidade, ou seja, as interdições que se declaram a partir do discurso da Velha parecem valer por muito tempo, numa alusão às mudanças lentas estudadas pela história das mentalidades, a história da longa duração.
  • Como é possível perceber, a história vai sendo lida a partir da literatura, com a possibilidade de uma liberdade maior no trato com questões esquecidas pela história tradicional.
  • O escritor assume a tarefa do cronista e, além de trabalhar com a informação, trabalha com a possibilidade de reconstruir o imaginário.
  • A vantagem deste tipo de discurso é exatamente a possibilidade de desestabilizar a história oficial, seja através da utilização do ponto de vista descentralizado, seja através da apresentação de questões não abordadas por aquele tipo de história.
  • Em Desmundo, por exemplo, são apreensíveis as relações intertextuais com o discurso histórico, já a partir do momento em que as epígrafes são cotejadas.
  • A linguagem que permite este discurso intertextual em Desmundo advém, ao que parece, de uma linhagem rosiana.
  • Alguns aspectos presentes na produção literária de Guimarães Rosa surgem na linguagem da personagem narradora, como a revelar a necessidade de compreender a realidade e o mundo, ambos muitas vezes incompreensíveis.
  • A linguagem vai sendo, então, moldada conforme o uso que se quer fazer da língua.
  • Percebe-se que muitos dos aspectos apontados por Davi Arrigucci em relação à linguagem de Rosa são utilizados, também, por Ana Miranda, para construir a linguagem de Oribela.
  • Em ambos, o instrumento lingüístico disponível é insuficiente para demonstrar a grandiosidade dos universos apresentados.
  • Em Desmundo, especificamente, do mundo – desmundo que a Oribela se apresenta.
  • Há a fuga à linguagem bem comportada e lexicalizada.
  • Para a criação desta linguagem, comparece uma série de recursos: a começar pelo título do romance, uma palavra não-dicionarizada, Desmundo, uma vez que parece faltar o termo exato para expressar o significado da nova terra para Oribela, que vê seu destino como “desrumo”, outro termo inexistente na língua oficial.

 

  • Ao se referir à nova terra, a personagem narradora utiliza palavras, dicionarizadas ou não, que são iniciadas pelo prefixo de negação “des”, como se vê em: “despejado lugar”, “terras desabafadas”, “desventura” , além de “desrumo” e “desmundo”.
  • Ou seja, através do trabalho com a linguagem, é possível revelar o caráter de purgação que caracterizava a nova terra.
  • Além dos termos não-dicionarizados já citados, outros comparecem para construir o discurso da personagem Oribela, conferindo à linguagem um matiz arcaico e, ao mesmo tempo, popular.
  • Há, entre as palavras não-dicionarizadas, aquelas cujo matiz arcaico se faz pela ocorrência de metaplasmos, de alterações fonéticas, o que se verifica também em Guimarães Rosa.
  • Tais palavras podem, ou não, registrar, em dicionário, uma forma correspondente, estatuída como oficial.
  • Podem ser citadas, como ocorrências de metaplasmos: a prótese em “alenternas” , “alembrar” ; em “estromentos”
  • A desnasalização ins>es lembra que, na gramática popular, um traço recorrente é a flexibilidade nasalação/desnasalação das vogais iniciais [e] e [i], por alomorfias de prefixos, como “em”, em ilegal/inlegal, irreal/inreal, emagrecer/esmagrecer.
  • A aférese constitui-se traço característico da fase arcaica da língua e, também, do desempenho popular “ojeriza/geriza”, “alambique/lambique”, “alicate/licate”, “inimigo/nimigo”, “datilógrafo/tilógrafo”, “homenagem/menagem”.
  • O mesmo pode ser dito da metátese: perguntar/preguntar, entreter/interter, intervalo/intrevalo, procurar/percurar.
  • Em “alifante” e “ourinar”, as alterações fonéticas resultam de analogias. “Alifante” estabelece uma relação de semelhança com outras ocorrências já apresentadas como marcas da fala popular: alivantar, arreceber, assossegar, etc...
  • “Ourinar” substituindo “urinar” resulta da analogia entre o amarelo do ouro e o da urina, resultando ourina/orina, ourinar/orinar, formas comparáveis a ouro/oro.
  • Em G.Rosa como em Ana Miranda formas derivadas e compostas revestem a linguagem de acento popular e arcaico.
  • Omildosa”  e “trigosas” trazem à tona a freqüência de adjetivos em “oso”/“osa”, já em textos medievais.
  • Além da marca sufixal, é preciso considerar, em “omildosa”, o registro escrito sem o h inicial, um dos traços da escrita arcaica, fonética, desvinculada de étimos gregos ou latinos e que caracteriza, também, a grafia popular; “trigosas”, significando apressadas, pressurosas, aparece no “Auto da Alma”, de Gil Vicente.
  • Há, na fala do povo, uma intuição da forma da palavra que se quer linguagem como imagem, conduzindo a criações não estatuídas, pelas quais o dizer enuncia com maior clarividência o que quer fazer-se voz.
  • Assim “renembranças”,“desrumo”,“disraiar”,“dulçura” ,“esmerdada”  “cuidações”,“estridosamente”, “bonamore” , “vem-para-casa-mesmo-bêbado-papai” , “águafrescáguafresca” .
  • Doçura é expressão corriqueira, e o sentimento, quando se quer dizê-lo inusitado, é num percurso de reencontro com raízes que se vai buscá-lo, retornando ao étimo latino dulce>doce.
  • Da mesma forma, “bonamore”, forma composta, aglutinando os radicais latinos bonus>bom e amoris>amor, o bom amor, imune às contradições, o amor sonhado tranqüilo:

“Benditas as desposadas e casadas; para o meu varão me guardei perfeita, ru, ru, chegasse com o pé direito, trouxesse Deus o bonamore, que não tenho nenhuma burrinha, tirasse de mim os desejos, os temores, os fingimentos, as visões (...)”

  • É uma voz ambígua esta de Oribela que, no “bonamore”, situa o sonho na realidade da obrigação de guardar-se para o esposo, e, nas visões, a experiência do inferno da relação homem/mulher, o real, a fazer-se negativa do sonho.
  • O “aviso da terra”,  o júbilo desenfreado da sede a ser saciada e que se expressa, aqui aparece numa forma justaposta “águafrescáguafresca” transfigurando-se em canto, euforia:
                “acabada a água do armário do camarote e só chuva para tomar, atinava eu que ia beber água fresca, água fresca, água fresca, água fresca águafrescáguafresca lari lará, molhar as mãos, as ventas, derramar o que fosse, sem contar gota por gota, não ouvir mais gente bradar por água, molhar meus cabelos em um chafariz, bica ...”
  • Além de “trigosas”, registra-se o arcaísmo “pardeus” interjeição correspondente a “por Deus”, cujo emprego pode ser ilustrado pelo verso: “Pardeus! bom ia eu à aldeia”, da “Farsa de Inês Pereira”, de Gil Vicente.
  • “Rodiquelhe” , “alvaiade” , “adens” , manseza  tornam-se ilustrativos de uma freqüência considerável de palavras que dão, à linguagem de Ana Miranda, o acento medieval/popular.
  • Surge, na voz de Oribela, uma língua viva, vida perceptível pela negação de sua unicidade.
  • Não é uma língua social única, mas representante da contínua evolução histórica de uma língua viva.
  • A voz de Oribela busca compreender, a partir desta língua, o desmundo em que se encontra.
  • Há momentos em que, para compreendê-lo, parecem faltar palavras.
  • É necessário entender a vida, “uma rede de tristuras tenebrosas”
  • Neste momento, as metáforas atuam na construção do discurso de Oribela e representam a linguagem poética de forma significativa.
  • Há que se observar : “nem dobrou minha alma em joelhos” 
  • Esta metáfora faz referência à expressão “em joelhos”, muitas vezes presente durante o romance, reveladora da concepção medieval de mundo (tantos joelhos viviam a dobrar-se), ainda no século XVI.
  • Quanto à metáfora, não são os joelhos no sentido denotativo que se recusam a dobrar-se, mas os joelhos da alma, a alma que se quer livre, que não se dobra diante de tantas imposições e negações oferecidas pelo mundo novo à alma de quem fosse mulher. Que se quer mistério e não permite que o coração seja desvendado.
  • Nesta metáfora há, ainda, referência a dois aspectos relativos à mulher, que deveriam ser domesticados: a alma e o corpo (representado pela palavra joelho). Quanto a Oribela, os joelhos podem até dobrar-se, mas, quanto à alma ... É ter “numa parte o corpo e noutra o coração”
  • Surgem metáforas que atestam a forma como Oribela compreende o real, mas, até mais que isto, a maneira como procura entender-se enquanto ser humano neste mundo que entra pela porta de seus olhos, a fazer que seus desejos sejam “torcidos com amarguras”
  • Um outro recurso utilizado são as antíteses, como a revelar o caráter contraditório mundo versus desmundo, ou seja, a esperança e a desesperança e as próprias dúvidas que atormentam a personagem: “boas mulheres versus putas e regateiras” , “poder alembrar e poder esquecer”, “luz e sombra” , “grande segredo é o morrer, maior segredo é o viver” , “sacramentada ao Ximeno versus a suspeitar que ele era o demo”  e muitas outras. 
  • Quando nos ligamos com mais vagar a uma destas antíteses “boas mulheres x putas e regateiras” torna-se inevitável um retorno ao intertexto com a história das mentalidades e aos protótipos de mulher forjados pela sociedade colonial: o da santa mãezinha e o da mulher sem qualidades.
  • Ao papel da santa mãezinha estava associado o perfil inspirado na devoção européia à Virgem Maria, e o modelo de feminilidade correspondia à castidade, ao sacrifício e à sociedade.
  • À mulher sem qualidade, aquela da rua, corresponde o avesso da santa mãezinha, e, por não enquadrar-se no papel a ela destinado, era demonizada e excluída.
  • O uso que fazia da sexualidade era considerado ameaçador, por colocar em perigo o projeto da Igreja e do Estado, segundo o qual o corpo feminino deveria estar a serviço da sociedade patriarcal e do projeto de colonização.
  • Oribela, outras vezes, durante o romance, demarcará esta diferença e parece se perguntar: até que ponto sou uma “santa mãezinha” e até que ponto sou uma “mulher sem qualidade”? Que papel agradaria a ela, de verdade, assumir?
  • Todas as antíteses observadas durante a leitura do romance, parecem culminar em questionamentos acerca de assuntos muito variados, como, por exemplo: Viver, que significa? Morrer? Quem realmente é o mouro? Vida, qual seu significado?
  • Uma outra característica é a utilização da hipérbole propriamente dita, também aproveitada para a elaboração do romance “Desmundo”.
  • Há um grande medo do castigo divino, e a hipérbole seguinte representa a enormidade do medo:

        “ia o pai mandar muitas setas de fogo, gemidos, chamas de enxofre que nunca acabam de queimar, tal que o ímpeto de um rio de lágrimas não poderia apagar” (...)” um dia Deus alagaria o velho mundo com as águas do céu em que se afogaria todo o gênero humano como se matasse uma vaca brava e a terra ficaria deserta, restando os que tinham vindo ao novo país e quem aqui fosse o mais forte seria o rei do mundo”

  • O que se refere a Deus, principalmente no que concerne ao castigo divino, é sempre visto de maneira hiperbólica pela personagem narradora. O hiperbólico se presentifica, também, no que concerne às imagens visionárias que povoam os delírios da personagem central:
                “era eu devedora de pagar com meu coração no que de mim abriram o peito, um corte fino de dor e as mãos dedudas e grosseiras do algoz se meteram no meu peito a arrancar o coração.”
  • Em Desmundo, há uma subversão do esquema lingüístico tradicional, numa quebra da harmonia e da regularidade do clássico na linguagem literária, surgindo construções frasais não muito usuais, tais como a expressão “todos chegando o chegar”
  • O contexto em que esta expressão é empregada permite uma melhor compreensão da riqueza de seu significado.
  • Oribela utiliza esta expressão para relatar a alegria da chegada da nau portuguesa às terras brasileiras “tocar com os pés ali naquela terra onde nunca entrava o inverno, arribar, arribar, a salvamento, sem se poder a gente nem a cargo, todos chegando o chegar, deleitando, gozo”.
  • Na construção da expressão analisada, comparecem dois termos semelhantes: chegando (verbo conjugado no gerúndio) e chegar (substantivo formado por derivação imprópria).
  • A frase poderia ser simplesmente “Todos chegando”, mas, ao acrescentar “o chegar”, a autora quer intensificar, mostrar a importância desta chegada, aliás, “Chegada” é o nome da primeira parte do romance, parte em que se localiza o fragmento que está sendo analisado.
  • Ao apropriar-se de um verbo para dar a ele o estatuto de nome e, ainda, utilizá-lo para provocar uma redundância, a autora dá maior sentido à chegada dos portugueses à nova terra e, ao mesmo tempo, subverte a linguagem tradicional. Não é uma chegada qualquer, é uma chegada prenhe de esperança e de desejos de felicidade.
  • Outra construção bastante intrigante pertence ao fragmento localizado na parte dois do romance, intitulada “Terra”.
  • As jovens órfãs aguardam seu destino no convento dos padres “esquecidas ali, guardadas, esperando esperandesperando...”
  • A expressão “esperando esperandesesperando” intensifica a idéia da espera, que é também desespero.
  • A começar pelo uso do gerúndio, tempo verbal que dá idéia de uma ação contínua, a intensificação se faz, também, pela repetição da própria palavra “esperando” três vezes.
  • A elipse do “o” final do segundo emprego da forma “esperando”, que se une ao outro “esperando”, conota a angústia da espera, monta-se em desespero.
  • É preciso apressar o término da espera, para saber o que as aguarda neste mundo tão novo.
  • Somando-se às várias construções inusitadas, aparecem palavras pertencentes à língua indígena, na fala de Temericô; à língua espanhola, nas falas da Parva e em construções como “No he temor, piedoso es el Señor”  e, ainda, à língua latina mesclada à fala/oração de Francisco de Albuquerque.
  • Esta mescla de línguas diferentes colabora para a criação de uma linguagem que remete às diversidades de línguas presentes no século XVI em terras brasileiras.
  • Surge um conflito lingüístico que pode ser internalizado no próprio discurso, que também pode significar também um conflito social e cultural.
  • Na passagem do romance em que Temericô conta a Oribela sua história antes da chegada dos portugueses, este conflito começa a se anunciar:

            “Cantava cantigas, tocava um pífano de graveto, contava de sua povoação onde amava os pais e irmãos, de quem mais nada sabia, que lhe falavam deles as estrelas, fora ela caça o mato e palavras mansas. Era de um gentio muito antigo que fora lançado fora da sua terra das vizinhanças do mar por outro gentio seu contrário que descera do sertão pela fama da fartura da riba do mar e seus pais e avós perderam as terras que tinham senhoreado muito anos e lhe destruíram as aldeias, roças, matando os que lhes faziam rosto, sem perdoar a ninguém, em frontaria com os contrários numa crua guerra, onde se comiam uns aos outros, os que cativavam ficavam escravos dos vencedores, numas batalhas navais, ciladas por entre as ilhas grandes mortandade e se comiam e se faziam escravos, até chegar o tempo dos portugueses. O – z o – a k y p û e r i, um trás outro, trás de um o outro, mokõî, mokô’, mokõî. Tinga”

  • É através do discurso de Oribela que se manifesta o discurso de Temericô e, mesmo o tempo anterior à chegada dos portugueses, é narrado em língua portuguesa, a língua do colonizador.
  • Onde há língua indígena? Está restrita aos termos utilizados nas duas últimas linhas e a linguagem do dominado parece manifestar-se, então, muito mais pela ausência, denúncia da subjugação de uma língua e de um povo.
  • Um outro fragmento textual em que a língua indígena aparece trata do momento em que Temericô pretende ensinar sua língua a Oribela.
  • As palavras indígenas buscam sempre seu equivalente na língua portuguesa, numa tentativa de aproximação de línguas provenientes de culturas extremamente diversas, como a cultura portuguesa européia e a cultura indígena.
  • Nesta tentativa de aproximação, entretanto, o tempo já mostrou, os resultados são desiguais e conduzem ao quase total desaparecimento da língua indígena como se pode hoje constatar.

V – Enredo

  • O livro é dividido em 10 partes e cada uma delas, em pequenos capítulos. São elas:

A Chegada : a história se passa em 1555 e começa quando mandam ao rei uma carta pedindo que fossem enviadas mulheres para se casarem com os cristãos, que estavam no Brasil. Oribela é uma das órfãs e conta tudo como foi, desde a viagem até o destino de cada órfã. Conta sobre as dificuldades que tinham durante a viagem, que acontecia de muitas pessoas morrerem, inclusive morreu uma órfã, Dona Isobel.

A Terra :   na segunda parte, como era a terra, como eram os índios.

  • Casamento:  na terceira parte fala como foi preparado o casamento das órfãs. Conta que foram os padres quem as acolheram, davam comida, porém era proibido que os meninos as vissem. Elas também não viam os padres, apenas pela janela cruzando o pátio. Assim, Oribela conheceu Francisco Albuquerque, que no princípio ela não queria casar, por achar que não era digna de homem nenhum e também porque ele a repugnava, por seus modos e aparência. Sofreu muitos castigos do padre e também dona Birdes de Albuquerque, tia de Francisco tentou convencê-la a todo o custo. Por fim, Oribela acabou aceitando, mas não amava seu marido.
  •  O Fogo: a quarta parte conta como era o relacionamento entre as pessoas que participam da narrativa.

A Fuga : a quinta parte fala de algumas fugas de Oribela, que não amava o marido. Tentou várias vezes a fuga e numa dessas, vestiu-se de homem.

  • O Desmundo: a sexta parte mostra a amizade de Oribela com a Temericó, nativa, que lhe conta sobre os costumes da terra. A natural, acha que Oribela é uma rainha, mas Oribela a considera muito burra.
  • A Guerra: a sétima parte fala nas disputas, nos tempos de agonias. Lutas pelo poder na terra brasileira. Índios e cristãos lutavam, muito provavelmente porque os índios não aceitavam ser escravos, estavam sendo aculturados e explorados.
  • O Mouro: a oitava parte, Oribela sente-se tão culpada pelo mal que as pessoas em sua voltam sentem que ela tem um sonho em que ela está pagando com a mutilação do seu corpo e quando acorda conhece um mouro, Ximeno, que a protegeu e a escondeu. Eles acabaram se envolvendo e Oribela fica grávida.

O Filho: a nona parte trata da descoberta da gravidez de Oribela e que o filho é de Ximeno. Neste capítulo, Oribela encontra Bernardinha e depois, a velha freira. Francisco de Albuquerque a encontra em companhia da velha e ameaça matar a freira, mas só ameaça. Oribela é levada de volta e parece que os dois vivem em harmonia até que Francisco de Albuquerque descobre que o filho não é seu e sim, do mouro, por isso, rapta a criança.

O Fim: no capítulo 10 há a passagem em que Oribela fica desesperada devido ao rapto do filho e coloca fogo em toda a casa, mas vê Ximeno vindo em sua direção com a criança. É um final aberto. Que possibilita muitas interpretações.

 

 

VI – Observações Finais

  • Longe de dividir a história em duas, a do colonizador e a do escravizado, Ana Miranda mostra como essas culturas se fundem num caldo, em que o português, uma vez imerso, jamais sairá o mesmo, transformado em brasileiro:

"Eu pintava o rosto de urucum, comia do prato das naturais e me desnudava nos dias quentes, deixava os chicos chuparem meus peitos, dançava, de modo que dona Branca veio baixar umas regras, antes que virasse eu uma bárbara da selva e me metesse a comer de carne humana", conta Oribela.

  • “Desmundo” quer dizer, então, todos os mundos misturados, desfazem o mundo bonito mostrado pela história. Na narrativa, eles se desmancham e se reúnem em uma coisa só.
  • Como se o testemunho verbal de Oribela fosse insuficiente para dar conta do movimento de vertigem e metamorfose a que se entrega, Ana Miranda intervém com uma série de vinhetas e com elas abre as dez partes componentes do livro. Elaborados com requinte e sutileza pela autora, esses desenhos assemelham-se a antigas gravuras de cordel e funcionam não como meras ilustrações, mas como uma síntese imagística da narrativa, que passa a transitar entre dois códigos distintos e suplementares.
  • Sob a forma sedutora de uma sereia que se desdobra nos núcleos temáticos do livro -- a terra, o fogo, o casamento ou a guerra, por exemplo --, as vinhetas compõem um catálogo de seres fabulosos e oníricos, que reiteram a desconcertante alteridade do novo mundo descortinado pela visão de Oribela, sua monstruosa desmedida.
  • Esse outro sentido do maravilhoso conferido a Desmundo condensa-se na vinheta final  em que a sereia se transforma numa árvore, cujas folhas são grandes olhos abertos.
  • Por artes da metamorfose das imagens criadas, Oribela supera os limites do desterro e da orfandade e se torna a árvore da vida. Fincada no chão, parece ter conseguido enfim aplacar seu desejo de fuga e imobilizar sua ânsia de "palavras e iluminuras". Mas seus olhos-folhas, como de prontidão, não deixam escapar a possibilidade de conquistar outros desmundos, de descobrir novas paisagens.

 

 

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